Riqueza não é o que temos
Sou dessas pessoas que anotam tudo, escrevem por necessidade e tem pilhas de cadernos e folhas espalhadas com textos perdidos. Vez ou outra, acho alguma anotação antiga que me deixa dias pensando a respeito.
[Corta pra fevereiro de 2013]
Era fim de tarde de um domingo de sol e eu e Romeu caminhávamos pela orla de Coqueiros observando frases gravadas nos bancos quando sentamos pra olhar o mar.
Lá pelas tantas, um velhinho se aproximou. Passinhos lentos, magrinho, cabelos muito brancos. No início, pensamos que falava sozinho. Com os braços apoiados no parapeito de madeira e olhando o horizonte, falava algo sobre namorar alguém de longe e um pedido de casamento num ônibus. Só entendemos que era uma conversa quando ele olhou pra trás e perguntou:
- Mas e tu, menino? Casaria com ela, se ela te pedisse hoje?
A pergunta foi tão repentina que respondemos que éramos só amigos (o que já é bastante, se for pensar bem). Mal completávamos três meses de namoro e do nada vem um desconhecido falando em casamento? Que coisa esquisita.
- Amigos? Mesmo? — continuou — Ah, é claro, é importante ser amigo de quem vai casar… mas eu não tô falando agora, falo daqui um tempo. Tu casaria com ela?
Continuamos confusos e ele provavelmente percebeu, porque logo tratou de se despedir.
- O amor transforma a gente, sabe? E a gente nem percebe. Vocês são só amigos, mas formam um casalzinho bem bonitinho. — e foi embora.
Por alguns segundos fiquei pensando naquela situação completamente aleatória, depois olhei pra onde o velhinho ia quando se afastou, mas ele tinha sumido. Ficamos ali, eu e Romeu, sentados olhando o mar com uma sensação estranha de “o que foi isso que acabou de acontecer?”.
[Volta pra 2018, quando encontrei anotações sobre esse dia em Coqueiros.]
Sempre que falo desse dia, Romeu brinca comigo: “vai dizer que tu acredita que era, sei lá, um anjo?”. Não sei, mas às vezes a vida dá voltas engraçadas. Acho que aquela conversa faria muito mais sentido hoje do que fez na época. Cinco anos depois, prestes a me casar com Romeu, só posso concordar com o velhinho misterioso: o amor transforma a gente mesmo e eu, quando percebi, já dividia a vida com meu melhor amigo.
Florianópolis, março de 2018.